1. Qual o significado de Ortodoxia? E de Igreja Ortodoxa?
2. Quais foram as causas que levaram à separação da Igreja Romana e da Igreja Ortodoxa?
3. Quais são as diferenças existentes entre a Igreja Romana e a Igreja Ortodoxa?
4. Uma das questões dogmáticas que separam a Igreja Romana da Igreja Ortodoxa é a questão do "Filioqüe". Qual o seu significado?
5. A Igreja
Romana intitula-se a si mesma "Igreja Católica". Por seu turno, a Igreja
Ortodoxa afirma no Credo que crê na "Igreja Católica". Será que os
ortodoxos e católicos romanos crêem na mesma coisa...?
6. O que é Igreja Local?
7. Mas existe uma diferença entre Tradição e tradições?
8. Por que os ortodoxos se benzem ao contrário?
9. Afirma-se muitas vezes que a espiritualidade ortodoxa é uma espiritualidade "monástica". O que é que isto significa?
10. O que é um Monge?
11. O que significa "Metanóia"?
Os santos patriarcas de Constantinopla (celebrado 28 dias após a Páscoa). Daqui.
1. Qual o significado de Ortodoxia? E de Igreja Ortodoxa?
Chamamos Ortodoxia à
verdadeira doutrina - neste caso, a verdadeira doutrina de Cristo.
Ortodoxia é uma palavra grega que significa, à letra, glória (doxa)
reta, direita, justa, verdadeira (orto). Assim, chama-se Ortodoxia à
Igreja que se manteve fiel à Verdade, transmitida pela Tradição, desde
os Apóstolos até nossos dias. Igreja Ortodoxa é, portanto, a Igreja de
Cristo, a que permaneceu sempre una e indivisa, fiel à verdade da
doutrina Cristã.
Erradamente, há quem pense
que a Igreja Ortodoxa é apenas a Igreja Grega ou Russa, ou ainda, as
Igrejas dos países eslavos. Quem pensa assim esquece-se que a Ortodoxia
não é uma questão de geografia - é uma questão de verdade, de fidelidade
ao dogma e à Tradição da Igreja de Cristo.
Além disso, A Igreja
Ortodoxa encontra-se hoje espalhada por todo o Mundo: Europa (de
Portugal a Rússia), Ásia (Médio e Extremo Oriente), Américas (do Brasil
ao Canadá), África (Uganda, Quênia) e Oceania (Austrália), num total de
mais de 350 milhões de fiéis. Mas, como dizia um importante teólogo
russo, Khomiakov, "a Igreja não existe pela quantidade, maior ou menor,
dos seus membros, mas pelo laço espiritual que os une". Logo, é também
errado dizer-se que a Igreja Ortodoxa é uma Igreja "Oriental" - oriental
é o espírito do Cristianismo na sua origem, porque é do Oriente que vem
a luz, e para o Oriente nos viramos, quando rezamos, sozinhos ou em
comunidade.
No entanto, é verdade que na
Idade Média se verificou a separação entre Ocidente e Oriente,
resultante da Própria divisão do Império Romano entre Império do
Ocidente e Império do Oriente, tendo como centro Bizâncio
(Constantinopla). E também é verdade que pouco a pouco se criou uma
distinção nítida entre "catolicismo romano", tipicamente ocidental, e um
Cristianismo "oriental", ortodoxo. Mas hoje a Igreja Ortodoxa
encontra-se espalhada por todo Mundo - um Mundo em que distinções como a
de Oriente-Ocidente, outrora bem nítida, cada vez fazem menos sentido.
2. Quais foram as causas que levaram à separação da Igreja Romana e da Igreja Ortodoxa?
Porque é que se verificou o
cisma da Igreja Romana? Porque é que Roma se separou do tronco comum e
fecundo da árvore da Tradição, criando um Cristianismo "Romano" a que
deu o nome contraditório de "Catolicismo"?
O seu cisma não pode ser
identificado com nenhum acontecimento particular da História, nem se lhe
pode atribuir uma data precisa. Para essa separação progressiva terão
contribuído diversos fatores, entre os quais a oposição política entre
Constantinopla e o "império" de Carlos Magno, o afastamento da Tradição
por desvios sucessivos do pensamento e da prática da Igreja Romana,
divergências no campo teológico e no da Vida da Igreja.
No entanto, talvez tenha
sido este último aspecto - o de Roma criar um conceito diferente do que é
a vida e a missão da Igreja - que acabou por ser o fator determinante
ou, pelo menos, a gota de água que fez transbordar o vaso cheio de erros
e falhas. De fato, a Igreja de Roma, graças a fatores essencialmente
políticos, de ambição do poder temporal, desenvolveu a partir da Idade
Média, a doutrina da primazia do Papa (título, aliás, dado aos
Patriarcas de Roma e de Alexandria) como último e, depois, como único
recurso em matéria de Fé. Ora, isto era, é e será, completamente
estranho à Tradição da Igreja dos Apóstolos, dos Mártires, dos Santos e
dos Sete Concílios Ecumênicos. Para Esta, a autoridade em questões de Fé
repousa nos Concílios - no acordo entre todos os Bispos, sucessores dos
Apóstolos - e no Povo Real, Hierarquia e fiéis. Havendo, portanto,
divergências entre Oriente e Ocidente acerca da noção de autoridade na
Igreja, não podia existir acordo quanto à maneira de resolver os
problemas entretanto surgidos no seio da Igreja una: a questão do
"Filioque", a diferença dos ritos, a existência de presbíteros casados, a
utilização do latim ou das línguas indígenas, o uso da barba ou da cara
rapada entre clero etc.
Para a Igreja de Roma, o seu
Bispo é o "chefe da Igreja universal" porque se considera o sucessor de
São Pedro. E interpreta como fundação da Igreja e proclamação dessa
chefia universal a célebre passagem do Evangelho de Mateus: "Tu és Pedro
e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do Inferno
não prevalecerão contra Ela"(16,18). Para a Igreja una e indivisa a
interpretação desta passagem do Evangelho é toda outra. Como disse
Orígenes (fonte comum da Tradição patrística da exegese), Jesus responde
com estas palavras à confissão de Pedro: este torna-se a pedra sobre a
qual será fundada a Igreja porque exprimiu a Fé verdadeira na divindade
de Cristo. E Orígenes comenta: "Se nós dissermos também: 'Tu és o
Cristo, Filho de Deus Vivo', então tornamo-nos também Pedro (...) porque
quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra. Cristo daria as
chaves do Reino apenas a Pedro, enquanto as outras pessoas abençoadas
não as poderiam receber?". Pedro é, então, o primeiro "crente" e se os
outros o quiserem seguir podem "imitar" Pedro e receber também as mesmas
chaves. Jesus, com as Suas palavras relatadas no Evangelho, sublinha o
sentido da Fé como fundamento da Igreja, mais do que funda a Igreja
sobre Pedro, como a Igreja Romana pretende. Tudo se resume, portanto, em
saber se a Fé depende de Pedro, ou se Pedro depende da Fé...
Por isso mesmo, São Cipriano
de Cartago pôde afirmar que a Sé de Pedro pertence ao Bispo de cada
Igreja Local, enquanto São Gregório de Nissa escrevia que Jesus "deu aos
Bispos, através de Pedro, as chaves das honras do Céu". A sucessão de
Pedro existe onde a Fé justa (ortodoxa) é preservada e não pode, então,
ser localizada geograficamente, nem monopolizada por uma só Igreja nem
por um só indivíduo.
O primeiro Bispo de Kenge em África Franz Hoenen
beijar o pé do Papa Paulo VI (1965). Daqui.
Levando a teoria da primazia
de Roma às últimas conseqüências, seríamos obrigados a concluir que
somente Roma possui essa Fé de Pedro - e, nesse caso, teríamos o fim da
Igreja una, santa, católica e apostólica que proclamamos no Credo:
atributos dados por Deus a todas as comunidades sacramentais centradas
sobre a Eucaristia, possuindo um verdadeiro Episcopado, uma verdadeira
Eucaristia e, portanto, uma presença autêntica de Cristo.
Afirma, depois, a Igreja de
Roma que é ela a Igreja fundada por Pedro e que essa fundação apostólica
especial lhe dá direito a um lugar soberano sobre todo o universo. Ora a
verdade é que, para além do fato de não sabermos realmente se São Pedro
foi o fundador dessa Igreja Local e o seu primeiro Papa (aliás, terão
os Apóstolos sido Bispos de qualquer Igreja Local...?), temos
conhecimento que outras cidades ou outras localidades mais pequenas
podiam, igualmente, atribuir a si mesmas essa distinção, por terem sido
fundadas por Pedro, Paulo, João, André ou outros Apóstolos. Assim, o
Cânone do 6º Concílio de Nicéia reconhece um prestígio excepcional às
Igrejas de Alexandria, Antioquia e Roma, não pelo fato de terem sido
fundadas por Apóstolos, mas porque eram na altura as cidades mais
importantes do Império Romano e, sendo assim, deram origem a importantes
Igrejas Locais...
Toda esta divergência de
pontos de vista entre Roma, considerando-se única detentora da verdade e
da autoridade, e as restantes Igrejas Irmãs, que desejavam manter-se
fiéis ao espírito da Tradição herdada dos Apóstolos, acabou por resultar
nos trágicos acontecimentos de 1054 e 1204 - no dia 16 de julho de
1054, os legados do Papa de Roma entraram na Catedral de Santa (em
Constantinopla, capital do Império), um pouco antes de começar a Sagrada
Liturgia, e depositaram em cima do altar uma bula que excomungava o
Patriarca de Constantinopla e todos os seus fiéis. Esta separação
oficial, decidida pela Igreja Romana, teria sua confirmação em 1204,
quando os cruzados, que se intitulavam cristãos, assaltaram
Constantinopla, saquearam e pilharam, fizeram entrar as prostitutas que
traziam consigo para dentro do santuário de Santa , sentaram uma delas
no trono do Patriarca, destruíram a iconostase e o altar, que eram de
prata. E o mesmo aconteceu em todas as igrejas de Constantinopla.
3. Quais são as diferenças existentes entre a Igreja Romana e a Igreja Ortodoxa?
Eis a pergunta clássica, a
que nos é feita obrigatoriamente... A primeira vista, para quem está de
fora, dir-se-ia que entre a Igreja de Roma e as Igrejas Ortodoxas
existem apenas diferenças de "pormenor". Na prática, as diferenças são
profundas e assinalaram destinos bem separados desde, pelo menos, o
século XI.
Tentando resumir essas
diferenças, poderíamos dizer que são duas maneiras distintas de estar no
Mundo. E, de fato, só vivendo cada uma dessas espiritualidades se pode
reconhecer como são diferentes entre si...
Mas vejamos mais em detalhe quais são essas divergências que opõem a Igreja Romana à Tradição.
A espiritualidade
ocidental-romana tende a colocar o indivíduo acima da comunidade,
enquanto a espiritualidade ortodoxa age, instintivamente, de maneira
oposta, sabendo que "ninguém se salva sozinho". O Ocidente encara a
matéria e o espírito como irremediavelmente separados e opostos entre
si, enquanto o Oriente desconhece essa falsa oposição, trazendo a
matéria aos mais sagrados atos de comunhão com Deus.
Essas duas diferentes visões
do mundo, do homem, da Igreja e até de Deus refletem-se, por exemplo,
na arquitetura dos templos: enquanto no Ocidente, a partir de uma certa
época (final da Idade Média) se começou a cultivar um estilo exuberante e
pesado, profundamente "terrestre" (na nossa época, esse peso das coisas
deste mundo atingiu talvez o seu auge, com a construção de templos em
cimento armado iguais a qualquer edificação profana - um banco ou
cinema...), no Oriente, ontem como hoje, a arquitetura cristã é muito
mais "leve", tendendo para o alto e obedecendo a um simbolismo
imensamente rico. Por exemplo, as cúpulas em forma de chama que vemos
nas igrejas russas, com as suas cores brilhantes, em que predomina o
dourado, proclamam o poder regenerador da Criação que foi dado à Igreja
de Cristo. Ou seja: a própria arquitetura cristã ortodoxa anuncia a
futura transfiguração do Universo e afirma que mesmo agora a Terra se
transforma em Paraíso, sempre que a Liturgia se celebra e a Graça divina
desce sobre a comunidade cristã celebrante.
A decoração interior dos
templos é também eloqüente em relação a essas vivências diferentes da
mesma mensagem do Cristianismo: os templos ortodoxos representam a união
gloriosa do Céu e da Terra, embora a santidade e o mistério persistam
representados pela Iconostase que separa o Santuário do resto do templo;
por seu turno, os templos da Igreja Romana, pela sua própria mistura de
estilos e arquitetura, refletem a constante necessidade de mudança de
quem perdeu o sentido da Tradição e da eternidade.
Também são significativas as
diferenças verificadas nas Liturgias - a Igreja Ortodoxa celebra
normalmente uma Liturgia com mais de 1500 anos de existência; a Igreja
Romana celebra cerimônias sucessivamente sujeitas a alterações, quer no
texto, quer na forma.
Outra das diferenças reside
na importância desmedida que a Igreja Romana dá as funções e à figura do
Papa de Roma, considerando-o "chefe universal" da Igreja. É uma visão
centralizadora da Igreja, completamente estranha à Tradição cristã, que
resultou em parte das circunstâncias históricas e políticas vividas no
Ocidente. Efetivamente, no Ocidente, o Bispo de Roma atua como senhor
todo poderoso de uma Igreja que não lhe pertence e as suas ordens, em
princípio, são rigorosamente executadas como se se tratasse das decisões
de um chefe temporal. Do ponto de vista da Igreja Romana, o centro do
mundo está de fato em Roma e o Papa é o seu líder supremo.
Para a Igreja Ortodoxa, que
procura cumprir escrupulosamente a Tradição, Roma até ao séc. XI era
apenas o primeiro dos Patriarcados tradicionais e o seu Bispo era o
Patriarca do Ocidente, "primeiro entre os seus iguais" - o que não lhe
dava o direito a qualquer função de "chefia" da "Igreja Universal"
(outra idéia estanha à Tradição): o único chefe de Igreja é Cristo, e
não o Papa de Roma ou o Patriarca de Constantinopla...
Outras diferenças consistem
na questão do casamento dos Presbíteros e Diáconos, na maneira como os
cristãos são ensinados a benzer-se ou a rezar, ou na administração dos
próprios Sacramentos - por exemplo, o Batismo romano é feito por
aspersão da água, enquanto o Batismo ortodoxo é feito por tripla imersão
completa do corpo na água; a Eucaristia na Igreja Ortodoxa é
ministrada, desde sempre, segundo as duas espécies, pão e vinho, etc.
Também os textos das orações
diferem no Ocidente e no Oriente - isso acontece, por exemplo, com o
Pai Nosso, a Ave Maria e, principalmente, com o Credo de
Niceia-Constantinopla. Aliás, no caso do Credo, a Igreja Romana
introduziu no texto original um elemento, o "Filioqüe", que deu origem
ao seu próprio cisma - ao contrário do que alguns historiadores afirmam,
o cisma é realmente "do Ocidente", visto que foi a Igreja Romana quem
se separou da comunhão de Fé das Igrejas Irmãs.
Até mesmo em relação à
música sacra diferem as duas espiritualidades: enquanto na Igreja
Ortodoxa continua a ser utilizada apenas a voz humana no louvor a Deus
(tal como manda a Tradição), na Igreja Romana, depois de se ter
abandonado o canto gregoriano, foi adotada toda a espécie de
instrumentos musicais, cedendo às modas de cada época.
Além do Credo, outras
diferenças dogmáticas existem que separam a Igreja Romana da grande
fonte da Tradição - é o caso, por exemplo, da "Imaculada Conceição" de
Maria, ou do "Purgatório", ambos conceitos e dogmas estranhos à Tradição
da Igreja, inventados pura e simplesmente pelos teólogos de Roma; ou da
falsa oposição entre graça e liberdade; ou a própria concepção do
pecado original - Roma acredita e ensina que o pecado de Adão e Eva é
"hereditário", é um pecado de "natureza", enquanto para a Igreja una o
pecado é sempre um ato pessoal, de pessoa livre e responsável: nós não
herdamos "naturalmente" o pecado dos nossos primeiros pais; seremos
culpados como eles se pecarmos como eles pecaram. A Tradição patrística
define a herança da Queda como a da mortalidade e não a do pecado (por
isso também o sentido do Batismo dos recém nascidos não é o da remissão
dos pecados, que não existem ainda, mas o de lhes dar uma vida nova e
imortal que os seus pais, mortais, não lhes puderam transmitir).
4. Uma das questões dogmáticas que separam a Igreja Romana da Igreja Ortodoxa é a questão do "Filioqüe". Qual o seu significado?
A palavra "Filioqüe"
significa "e do Filho" e representa uma afirmação teológica introduzida
abusivamente pelo Ocidente no texto original do Credo de
Niceia-Constantinopla. Essa interpretação abusiva começou por ser feita
em Espanha, nos Concílios de Toledo dos séculos VI e VII e , mais tarde,
generalizou-se a todo o Ocidente.
Vejamos o que diz o texto
original do Credo: "Creio no Espírito Santo (...) que procede do Pai, e
com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória".
Portanto,temos uma afirmação muito clara de que:
«O Pai, criador de todas as
coisas, gerou o Filho e espirou o Espírito Santo; Tanto o Pai, como o
Filho, como o Espírito Santo, são adorados e glorificados do mesmo modo;
isto é, nós, cristãos, adoramos e glorificamos uma Trindade perfeita,
três Pessoas num só Deus.»
Ao alterar esse texto,
aprovado por todos os Padres conciliares e inspirados pelo Espírito
Santo, a Igreja Romana impôs aos seus fiéis a seguinte modificação:
«Creio no Espírito Santo
(...) que procede do Pai e do Filho ('Filioqüe')" Isto significa que o
Espírito Santo é visto como uma terceira Pessoa "diminuída" em relação
ao Pai e ao Filho. Como se o Espírito Santo já não devesse ser adorado e
glorificado do mesmo modo e com a mesma fé com que o são o Pai e o
Filho...»
Para quem está fora e não
vive intensamente a presença ativa da Santíssima Trindade em todos os
atos da vida cristã, pode parecer que esta questão do "Filioqüe" é um
simples jogo de palavras.
Pensar assim é cair num erro
grave: o de acreditar que em matéria tão fundamental como a Teologia há
questões de "pormenor" que os teólogos se entretêm a discutir...
Mas pior do que isso é
ignorar que os Concílios Ecumênicos proibiram formalmente que fossem
introduzidas quaisquer modificações no Credo, precisamente porque o
Credo é patrimônio espiritual comum de toda a Igreja e uma parte da
Igreja não tem o direito de o alterar. Assim, o Ocidente, alterando
arbitrariamente o Credo sem consultar as Igrejas Irmãs do Oriente,
tornou-se culpado de "fratricídio moral" (como,lembrava um teólogo russo
do séc XIX, Dimitri Khomiakov), isto é, de pecado contra a unidade da
Igreja, contra a fé católica que é conciliar.
Como diria outro teólogo,
Vladimir Lossky, a controvérsia sobre o "Filioqüe" incidia, afinal,
sobre o fato de que "pelo dogma do 'Filioqüe', o Deus dos filósofos e
dos sábios tomou o lugar do Deus vivo... A essência incognoscível do
Pai, do Filho e do Espírito Santo recebe qualificações positivas,
torna-se objeto de uma teologia natural, relativa a 'Deus em geral', que
pode ser o Deus de Descartes ou o de Leibnitz, ou mesmo, até certo
ponto, o de Voltaire e dos deístas descristianizados do séc. XVIII" -
mas não é certamente o Deus Tri-único que os santos mártires proclamaram
com o seu sangue. Ora é esta a acepção da Santíssima Trindade que a
Santa Igreja Ortodoxa igualmente proclama desde os Apóstolos até hoje e
para sempre.
5. A Igreja Romana
intitula-se a si mesma "Igreja Católica". Por seu turno, a Igreja
Ortodoxa afirma no Credo que crê na "Igreja Católica". Será que os
ortodoxos e católicos romanos crêem na mesma coisa...?
Efetivamente, ao cantarmos o
Credo na Sagrada Liturgia ou durante um Batismo, nós afirmamos que
cremos na Igreja "una, santa, católica e apostólica" - atributos da
Igreja Una e Indivisa, a Igreja dos Sete Concílios Ecumênicos, que a
Tradição nos deixou como preciosa herança. Hoje, depois de a Igreja de
Roma se ter separado da Árvore da Tradição (que é a Árvore da Vida),
tanto essa Igreja como a Igreja Ortodoxa se afirmam como "católicas".
Mas enquanto para a Igreja
Romana "católico" significa universal, na Igreja Ortodoxa "católico"
quer dizer algo de mais concreto e mais íntimo, inerente ao próprio ser
da Igreja - toda verdade pode ser considerada universal mas nem toda a
verdade é a Verdade católica, que é a Verdade cristã. Querendo
identificar a catolicidade da Igreja como o caráter universal da missão
cristã, seremos obrigados a chamar católicas, também, a outras religiões
como o Budismo, o Islamismo... Sendo assim, devemos desistir de tentar
identificar "católico" como "universal". A Catolicidade é uma qualidade
da Verdade revelada e dada à Igreja; um modo de conhecimento da Verdade
que é próprio da Igreja de Cristo. A Catolicidade da Igreja constitui um
acordo perfeito entre a unidade e a diversidade, a natureza humana, que
é una e as diversas pessoas, que são múltiplas. Desse modo, "católico" é
aquele que sabe ultrapassar a sua própria individualidade,
identificando-se misteriosamente como o Todo e tornando-se testemunha da
Verdade em nome da Igreja - e é ai que reside, por exemplo, a força dos
Padres da Igreja, dos Confessores e dos Mártires, assim como a força
dos próprios Concílios. "A Igreja reconhece como seus, aqueles que estão
marcados pelo selo da catolicidade", dirá o grande teólogo Vladimir
Lossky. Portanto, a catolicidade não é um termo espacial ou geográfico
para designar a extensão física da Igreja, espalhada por toda a Terra: é
uma qualidade própria da Igreja de Cristo, desde o seu início e para
sempre. E a Igreja está neste mundo, mas o Mundo não pode contê-la, não
pode limitá-la, porque Ela não é deste mundo...
6. O que é Igreja Local?
Para a Tradição da Igreja é
impensável admitir uma "Igreja universal" com centro em Roma ou
Constantinopla. Pelo contrário, a Tradição diz-nos que toda a
importância assenta na Igreja Local, ligada a um povoe a uma região.
Sendo assim, a Igreja
Ortodoxa não é "democrática", como as Igrejas da Reforma protestante (em
que todas as igrejas são independentes, sem qualquer ligação entre
elas), nem "monárquica" como a Igreja Romana (em que tudo depende da
decisão de um governo central, como sede em Roma).
A base da Ortodoxia é a
Igreja Local, espelho da Santíssima Trindade - as Igreja Locais são
autocéfalas, iguais em santidade e dignidade entre si e unidas numa
sinfonia que é a Fé comum, tal como as três Pessoas da Trindade
Santíssima.
Aliás, esta idéia da igreja
como espelho vivo da Trindade é muito mais vasta: a igreja possui três
Ordens menores (Leitor, Chantre e Subdiácono), três Ordens maiores
(Diácono, Presbítero e Bispo), três dignidades diaconais (Diácono,
Protodiácono, Arcediago), três dignidades presbiterais (Presbítero,
Arcipreste, Protopresbítero) e três dignidades episcopais (Bispo,
Arcebispo ou Metropolita e Patriarca).
Resumindo, diríamos que a
Igreja Ortodoxa é essencialmente uma vasta família de Igrejas irmãs,
unidas pela comunhão da mesma Fé e dos mesmos mistérios, e diversas
pelos seus ritos e pela sua localização no tempo e jo espaço. Para Ela
não existe um centro nem um chefe único da Igreja que não seja o próprio
Cristo.
7. Mas existe uma diferença entre Tradição e tradições?
Existe, de fato, uma
diferença entre a Tradição e as tradições. A Tradição é um tesouro comum
a todas as Igrejas Ortodoxas, seja a Grega seja a da Finlândia. As
tradições podem ser particulares a uma certa Igreja local, sendo
igualmente transmitida como o tempo, de pais a filhos, de mestres a
discípulos.
Na Igreja Ortodoxa existem
duas grandes tradições distintas, a grega e a russa, que se diferenciam
entre si em certos pontos de interpretação de usos e costumes da Igreja -
por exemplo, a tradição russa recebe os novos fiéis vindos de outros
ramos, católico romano ou protestante, pela imposição dos Santos Óleos
do Crisma; a tradição grega recebe os novos fiéis obrigatoriamente pelo
Batismo.
Mas sobrepondo-se a todas as
tradições particulares e locais existe a grande Tradição, criativa,
contento em si mesma a capacidade de se adaptar (sem se alterar) às
mudanças que os tempos exigem; uma Tradição que é uma vida, que deve ser
vivida por dentro, no nosso dia-a-dia, num encontro pessoal e constante
com Nosso Senhor Jesus Cristo. A nossa fidelidade a essa Tradição é a
garantia de que estamos na verdade. A Igreja a que pertencemos, a Igreja
de Cristo, una e indivisa, encara a Tradição como uma experiência viva
do Espírito Santo no presente, e não como uma simples aceitação do
passado.
Para nós, a Tradição não
muda, é imutável, porque Deus também não muda e a Revelação foi-nos dada
uma vez por todas. A sua compreensão perfeita só é possível dentro da
Igreja, numa união permanente entre o Povo Real (guardião da Fé) e o seu
Clero.
8. Por que os ortodoxos se benzem ao contrário?
Os cristãos ortodoxos não se
benzem ao "contrário" - os fiéis de outras confissões de origem cristã é
que se benzem de maneira errada. De fato, a Igreja Ortodoxa ensina os
seus fiéis a benzerem-se de acordo com a Tradição que nos foi legada
pelos nossos Paias na Fé. E o fato de nos benzermos desta ou de outra
maneira também não é questão sem importância: é um conjunto de gestos
cheios de significado e de simbolismo. Senão vejamos: quando nos
benzemos, começamos por unir os três primeiros dedos da mão direita (a
mão nobre), simbolizando a Trindade. Depois, dizendo "Em Nome do Pai",
tocamos com esses três dedos unidos primeiro a testa e, seguidamente, na
zona da cintura, simbolizando que o Pai é o Criador do Céu e da Terra;
em seguida, dizemos "e do Filho" e tocamos com os três dedos unidos no
ombro direito - porque o Filho, Jesus Cristo, ressuscitou e sentou-se à
direita do Pai; finalmente, dizemos "e do Espírito Santo" tocando com os
três dedos unidos no ombro esquerdo - o Filho e o Espírito Santo são os
dois "braços" do Pai agindo na Criação.
Deste modo, traçamos uma
cruz sobre o nosso próprio corpo, afirmando, simultaneamente, a nossa fé
na Santíssima Trindade e na essência de Cristo.
Convém ainda salientar que
até ao séc. XI todos os cristãos, no Oriente e no Ocidente, se benziam
como nós, Ortodoxos, o fazemos.
9. Afirma-se muitas vezes que a espiritualidade ortodoxa é uma espiritualidade "monástica". O que é que isto significa?
A espiritualidade ortodoxa
é, de fato, caracteristicamente monástica, o que significa que todo o
cristão ortodoxo tende para a vida monástica. Ou seja: mesmo que se
trate de um leigo, casado e com filhos, trabalhando para se alimentar e à
sua família, ele vive no seu interior, na sua parte maior e mais
importante, um apelo constante à oração, à transformação da vida
espiritual, de acordo com o ideal monástico. Recordamos as palavras de
são João Crisóstomo: "Aqueles que vivem no mundo, embora casados, devem
em todo o resto assemelhar-se aos Monges".
Desde a sua aparição no
deserto egípcio, no fim do século III e começo do século IV, até hoje, o
Monge lembra-nos a todo o momento que o Reino de Deus não é deste Mundo
e que, portanto, o cristão é um homem de passagem, em trânsito para uma
vida melhor.
Do mesmo modo, o cristão
ortodoxo (simbolicamente tonsurado quando recebido na Igreja), ao
assumir uma espiritualidade deste tipo, vive permanentemente a tensão
entre o que é deste Mundo ("de César") e a esperança da vida eterna
junto do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Aliás, já São Teodoro
Studita (759-826) - abade do grande Mosteiro de Studios, e que
desempenhou um papel tão importante na história do Monaquismo - dizia
que os Monges formam uma comunidade que realiza da maneira mais plena e
mais perfeita o que a Igreja deveria ser no seu conjunto. E, assim,
podemos dizer que a Igreja é uma comunidade de crentes que, estando
neste Mundo, não é por ele limitada - essa comunidade está neste Mundo
mas não é deste Mundo: vive já ansiando pela segunda vinda de Cristo,
qure pode acontecer a qualquer momento...
10. O que é um Monge?
Monge é "aquele que está
separado de todos e unido a todos", segundo a noção que nos é dada pelo
mestre do ascetismo que se chamou Evágrio o Pôntico.
"É assim chamado porque
conversa com Deus noite e dia e não imagina senão as coisas de Deus, sem
nada possuir na terra". "É chamado Monge porque em primeiro lugar é
sozinho, é solitário, abstendo-se do casamento e renunciando ao mundo,
interior e exteriormente; em segundo lugar, porque se dirige a Deus na
oração incessante, para que Deus purifique o seu intelecto, enquanto
tal, se torne monge e solitário em presença de Deus verdadeiro, sem
admitir pensamentos do mal" (São Macário o Egípicio).
Ou como dizia Santo
Hesíquios, "o verdadeiro Monge é aquele que atinge a sobriedade. E o
Monge verdadeiramente sóbrio é aquele que é Monge no seu coração".
De acordo com os grandes e
santos Padres da Igreja, o Monge é, afinal, aquele que quer ser salvo,
levando uma vida de acordo como o Evangelho, procurando o único
necessário, fazendo a si próprio violência em tudo.
Podemos dizer que, de certo
modo, foram os monges que ensinaram a comunidade cristão a rezar.
Efetivamente, foram eles que desenvolveram uma prática litúrgica
progressivamente adotada pela Igreja no seu conjunto e que se manteve
até hoje. Foram também os monges que criaram uma tradição de oração
pessoal e de contemplação incessante. Isto é, foram os monges que nos
ensinaram a conceber a oração como um meio de alcançar o fim da vida
cristã: a participação em Deus, a deificação, comungando pelo Espírito
Santo com a humanidade deificada de Cristo.
Rwanda (daqui)
11. O que significa "Metanóia"?
Metanóia" é uma palavra
grega que significa "arrependimento", "conversão". Arrependimento e
conversão que nos abrem as portas da Graça de Deus, a Graça que nos dá
acesso ao caminho da santidade.
A Metanóia ajuda-nos a
receber o dom das lágrimas, de que falava São Simeão o Novo Teólogo: "É
impossível limpar uma veste suja na ausência de água e, sem lágrimas,
mais impossível, ainda, é limpar e purificar a alma das suas manchas e
impurezas". "O arrependimento faz jorrar lágrimas das profundezas da
alma: as lágrimas purificam o coração e fazem desaparecer os grandes
pecados".
Metanóia é, também, o nome
dado a dois gestos rituais transmitidos pela Santa Tradição: a "pequena
Metanóia", que é o gesto que fazemos diante de um Ícone, antes de o
beijarmos, ou de um Bispo, antes de lhe pedirmos a bênção; a "grande
Metanóia", que é a prostação que fazemos no "grande perdão", nas nossas
orações privadas ou durante o ofício de vésperas e da Sagrada Liturgia
(quando celebrada em dias feriais).
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