Κυριακή 10 Απριλίου 2016

Santas Perpétua e Felicidade - «As Raízes da Mística Cristã»



Olivier Clement - Teólogo ortodoxo
Tradução de Jandira S. Pimentel

Sacra Arquidiocese Ortodoxa de Buenos Aires    






Martírio: morte e ressurreição
Martírio significa testemunho 

Mas testemunhar Cristo a ponto de morrer é tornar-se um com aquele que tornou a viver. O martírio cristão é uma experiência mística, a primeira atestada na história da Igreja. Ela é registrada bem no início pelo exemplo de Estevão, o protomártir nos Atos do Apóstolos a saber: "(Estevão) cheio do Espírito Santo, olhou para os céus e viu a glória de Deus, e Jesus de pé à direita de Deus; e ele disse: 'vejo os céus abertos. E o Filho do Homem de pé à direita de Deus'. Em seguida eles o jogaram fora da cidade e o apedrejaram; enquanto o apedrejavam, ele rezava, 'Senhor Jesus, receba meu espírito'. E se ajoelhou e clamou em alta voz, 'Senhor, perdoai-lhes'. E enquanto dizia isto, ele adormeceu (Atos, 7, 55-60)". Visão da glória, rezar pelos executores. Quando a história completa seu ciclo e outra testemunha é levada à morte, esta mesma morte 'abre os céus' e permite que as energias do amor façam sua entrada no mundo.
O martírio foi a primeira forma de santidade a ser venerada na Igreja. E quando não houve mais mártires no sangue, mártires na ascese, vieram os monges por sua vez. Foram os monges que cunharam o dito que expressa o significado do martírio: 'dê seu sangue e receba o Espírito'. O martírio retorna.
Um mártir pode ser, à primeira vista, qualquer homem ou mulher. Mas quando eles são esmagados pelo sofrimento eles são identificados com o Cristo Crucificado, e o poder da ressurreição toma posse deles. Em relatos diretos compostos naquele tempo, sem embelezamento, no início do terceiro século, vemos uma jovem mulher cristã na prisão, gemendo dar à luz seu bebê (se uma mulher grávida fosse presa ela não era enviada para a morte senão depois do parto). O guardião caçoa dela. Mas Felicidade gentilmente explica a ele que no momento do martírio outro irá sofrer por ela. Sua amiga Perpétua na verdade nada sente quando é entregue aos touros selvagens. Ela é momentaneamente poupada antes de sair do êxtase do Espírito, como se acordasse de um profundo sono. E as mártires, antes de enfrentarem a morte juntas, trocam um beijo de paz, como durante a liturgia eucarística.
Para o cristão autêntico a morte não existe. Ele se lança no Cristo Ressuscitado. Nele a morte é uma celebração da vida.


Felicidade estava grávida de oito meses quando foi presa. As dores do parto a acometem. Ela sofria muito e gemia. Um dos guardiões disse a ela, 'se você já está chorando assim, que será de você quando for atirada às feras selvagens?' Felicidade respondeu a ele, 'Então haverá outro dentro de mim que sofrerá por mim porque é por causa dele que estou sofrendo'.
Perpétua foi jogada ao ar primeiro (por um touro furioso). Ela caiu de costas. Assim que pode se sentar, ela prendeu os cabelos que haviam se soltado. Um mártir não pode morrer com os cabelos desalinhados, para não parecer que estivesse pesarosa no dia de sua glória. Então se levantou e notou Felicidade que parecia ter caído. Ela foi até ela, deu-lhe a mão e ajudou-a a levantar-se. Quando viram as duas de pé, a crueldade da multidão diminuiu. As mártires foram levadas para fora pelo portão dos Vivos.
Lá, Perpétua foi recebida por um catecúmeno, Rusticus, que era muito afeiçoado a ela. Ela parecia acordar de um sono profundo, tão longo havia sido o êxtase dela. Ela olhou em volta e perguntou: 'Quando seremos entregues ao touro? Quando lhe foi dito que isso já tinha ocorrido ela não pode acreditar e recusou-se a aceitar a evidência, até que viu em suas vestes e em seu corpo os traços da provação. Então ela chamou seu irmão e o catecúmeno. Disse a eles: 'Permaneçam firmes na fé. Amem-se uns aos outros. Não deixem nossos sofrimentos serem objeto de escândalo para vocês'.
O povo exigiu que as duas mesmo feridas, fossem trazidas de volta para a arena para que pudessem apreciar o espetáculo da espada perfurando seus corpos vivos. As mártires foram ao local que a multidão exigia. Deram-se o beijo da paz para consumar seu martírio, de acordo com o rito da fé. Permaneceram imóveis para receber o golpe fatal. (O Martírio de Felicidade e Perpétua, no ano 203, em Cartago, ed. Knopf-Kruger, p. 35-44.)

O sangue dos mártires é identificado com aquele do Gólgota, e também com o da Eucaristia, que comunica o inebriar da eternidade. O mártir se torna Eucaristia, se torna Cristo. E daí porque as relíquias dos mártires, consideradas como fragmentos do cosmos glorificado, do mundo por vir, são guardadas como relíquias nos altares nos quais a Eucaristia é celebrada.
Ó mártires benditos, cachos de uvas humanos da vinha de Deus, vosso vinho inebria a Igreja. Quando os santos se tornam prontos para o banquete do sofrimento eles bebem o gole calcado no Gólgota e então penetram nos mistérios da casa de Deus. E então cantamos, Glória seja ao Cristo que inebria os mártires com o sangue do seu lado. (Rabulas de Edessa, Hino aos Mártires (Bickell II, p. 262).
Na passagem seguinte da carta escrita por Inácio de Antioquia aos Cristãos de Roma, o Bispo de Antioquia estava sendo levado à capital do Império para execução solene, no início do segundo século, quase todos os aspectos dessa 'morte-ressureição' estão presentes. O mártir triturado pelos dentes dos animais selvagens, como grãos de trigo no moinho, se torna matéria eucarística; ele partilha totalmente na divinização da carne de Cristo; ele reproduz, num sentido quase-litúrgico, a Paixão do Crucificado, de modo a vestir o Glorificado; e a sentir seu poder vitorioso. 'Victor', o vencedor, era o nome dado a cada mártir. Em Cristo, o Espírito é, para Inácio, uma corrente de água viva que leva ao Pai.

Aqui o corpo de morte não é mais dissolvido pela ascese e experiência espiritual, mas rapidamente, pela violência humana. O martírio apressa o nascimento do corpo glorioso.
"Estou escrevendo a todos os cristãos para dizer-lhes que eu estou indo feliz morrer por Deus. Deixem-me ser o alimento das bestas, graças as quais poderei encontrar Deus. Sou o trigo de Deus e estou sendo moído pelos dentes das feras selvagens a fim de tornar-me pão puro de Cristo. Pelo sofrimento serei um liberto em Jesus Cristo e nascerei novamente nele, livre. Que nenhum ser, visível ou invisível me impeça por inveja, de encontrar a Cristo. Que o fogo e a cruz, animais selvagens, tortura, deslocamento de meus ossos, mutilação de meus membros, trituração em pedaços de todo meu corpo, os piores assaltos do demônio caiam sobre mim, contanto que eu encontre Jesus Cristo. Meu novo nascimento está próximo. Perdoem-me, irmãos, não me impeçam de viver. Deixem-me chegar à luz puríssima. Quando eu alcançar este ponto serei um homem. Deixem-me reproduzir a paixão de meu Deus. Que qualquer um que tenha Deus em si compreenda o que eu desejo e tenha piedade de mim, sabendo o que é que me impulsiona. Meus desejos terrenos foram crucificados. Não há mais em mim nenhum fogo para amar a matéria, apenas a água viva que murmura dentro de mim, "Vem para o Pai". É o pão de Deus , que é a carne de Jesus Cristo, que eu desejo e para bebida, desejo apenas seu sangue, que é amor incorruptível." (Inácio de Antioquia aos Romanos, 4-7 - SC 10, p.130-137). Foto aqui.

Nos relatos do martírio de Policarpo, bispo de Esmirna, no mesmo período, pode-se ser surpreendido pela simplicidade afetuosa do homem e do poder de sua intercessão. Recebe os oficiais de polícia, como próximos enviados por Deus a ele. Não reza por si mesmo mas por todos aqueles que encontrou, bons ou maus, e pela Igreja universal.
Como é sua consciência que está envolvida, o mártir deliberadamente desobedece as autoridades. Ele proclama calmamente diante dos magistrados e da multidão, que o único Senhor é Cristo, Deus feito homem, e não o detentor do poder, não o poder sacralizado de Roma. Por conseguinte ele afirma a transcendência da consciência, da pessoa feita à imagem de Deus. Ele faz seu o protesto de Antígona e Sócrates, mas na alegria da Ressurreição. Ele relativiza radicalmente a importância política.
Por tudo isso, o mártir não é um rebelde. Como Sócrates, ele aceita a sentença do magistrado e reza pelo imperador. Por esse fato mesmo ele é uma bênção para a cidade dos homens, e sem perturbá-la, ele enriquece-a com uma liberdade intransigente.
O final da passagem retoma a identificação do martírio com a Eucaristia, o testemunho da vitória sobre a morte.
"Sabendo então que os oficiais de polícia lá estavam, ele (Policarpo) desceu e falou com eles. Eles estavam surpresos pela sua idade e sua calma e pelo empenho empregado para prender um homem tão idoso. Serviu-os com tanto alimento e bebida quanto quiseram, pedindo-lhes apenas uma hora para rezar à vontade. Eles permitiram, e de pé, ele começou a rezar tão cheio da graça de Deus que por duas horas não pôde parar, e aqueles que o ouviam ficaram admirados e muitos se arrependeram de ter ido prender um homem tão santo. Em sua oração ele se lembrou de todas as pessoas que encontrou, ilustres e obscuros, e toda a igreja espalhada pelo mundo. Quando terminou, chegando a hora de partirem, eles o montaram num burro e o levaram à cidade. Rapidamente eles empilharam em volta dele o material para a fogueira. Quando iam pregá-lo ele disse, 'deixem-me assim'. Aquele que me dá forças para suportar o fogo também me ajudará a permanecer imóvel na fogueira. Então não o pregaram nela, mas o amarraram. Com suas mãos atadas às costas, ele parecia um carneiro escolhido de um grande rebanho para o sacrifício. Levantando seus olhos aos céus ele disse: 'Senhor, Todo Poderoso Deus, Pai do Bem-Amado e Bendito Filho Jesus Cristo, através do Qual recebemos o
conhecimento de Vosso Nome, Deus de toda Criação, Eu vos bendigo por me haverdes julgado digno deste dia e desta hora, para partilhar entre o número de vossos mártires no cálice de vosso Cristo, em vista da Ressurreição do corpo e alma na plenitude do Espírito Santo. E por tudo eu vos louvo, eu vos bendigo, eu vos glorifico, através do eterno e celeste, Sumo Sacerdote Jesus Cristo, vosso bem-amado Filho, por Quem seja dada a glória a vós, com Ele e o Espírito Santo, agora e sempre, Amém.' No meio do fogo ele ficou, não como carne que queima, mas como pão que é assado."
(Martírio de Policarpo, Bispo de Esmirna -
SC n. 10, p. 250, 252; 260, 262;264). Foto aqui.

Os sonhos seguintes, que são visões, mostram as almas dos mártires tomando parte na liturgia celeste como é descrito no Apocalipse. Os jardins do paraíso com as folhas e as árvores cantando sob a brisa do Espírito; um templo ou um palácio com paredes de luz; no centro de tudo isto, o Ancião de muitos dias, cabelos brancos mas a face irradiando juventude; a face de Cristo em sua juventude do Espírito; o beijo da paz; o bocado de alimento oferecido pelo Pastor; o perfume inefável como alimento; tantos símbolos do martírio como estado místico, similar à atual experiência da Eucaristia.

A visão de Perpétua

"Então me levantei. Vi um jardim imenso. No meio havia um homem alto vestido como pastor. Estava ocupado em tirar leite das ovelhas. Em volta dele, aos milhares, homens vestidos de branco. Ele levantou a cabeça, olhou para mim e disse: 'Bem-vinda minha filha.' Ele chamou-me e deu-me um bocado de queijo que havia preparado; eu recebi isso com as mãos juntas. Comi e todos disseram 'Amém'. Ao som das vozes acordei, sentindo o sabor de uma estranha doçura em minha boca. Contei logo esta visão para meu irmão (Saturus) e compreendemos que o martírio nos aguardava."

A visão de Saturus

"Nosso martírio havia terminado. Deixamos nossos corpos para trás. Quatro anjos nos carregaram para o Oriente mas suas mãos não nos tocavam. Quando havíamos passado através da primeira esfera que envolve a terra, vimos uma grande luz. Então eu disse a Perpétua que estava a meu lado: 'Eis aí o que o Senhor nos prometeu.' Tínhamos alcançado uma planície vasta que parecia ser um jardim com oleandros e todo tipo de flor. As árvores eram tão altas como ciprestes e suas folhas cantavam sem cessar. Chegamos a um palácio cujas paredes pareciam ser feitas de luz. Entramos e ouvimos um coro repetindo: "Santo, Santo, Santo". No hall está sentado um homem vestido de branco. Ele tem um rosto jovem e seu cabelo brilhava, branco como a neve. De cada lado dele estão quatro homens de pé. Vamos em frente maravilhados e beijamos o Senhor que nos acaricia com sua mão. Os anciãos dizem a nós 'Levantem-se'. Obedecemos e trocamos o beijo da paz. Reconhecemos muitos irmãos, mártires como nós. Por alimento tínhamos todos um perfume inefável que nos saciava plenamente." (Martírio de Felicidade e Perpétua, Ed Knopf-Kruger)


Fonte:
Padres do Deserto
Texto original em: Myriobiblos

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