Arquidiocese Ortodoxa de Buenos Aires
última grande festa do ano litúrgico bizantino (que nos Minéa termina
no dia 31 de agosto) é mariana: Dormição da SS. Mãe de Deus, Kóimesis no
grego e Uspénie no eslavo eclesiástico, palavras que aludem justamente
ao ato de dormir. E a tradicional representação iconográfica de 15 de
agosto mostra a Virgem estendida no leito de morte, rodeada para o
último sono pelos apóstolos, vindos prodigiosamente dos lugares onde
pregavam o evangelho, tendo ao centro Jesus Cristo que acolhe a sua
alma, representada como uma menina envolta em faixas e por ele
sustentada.
A partir do dia 1 de agosto, o Oriente
bizantino prepara-se para a festa com um jejum (do qual também fala São
Teodoro Estudita, morto no ano 826) e dado que, além da pré-festa do dia
14 de agosto, os textos litúrgicos falam do trânsito de Maria SS. ao
céu até o dia 23 de agosto, pode-se afirmar que este é o mês mariano dos
fiéis ortodoxos e greco-católicos.
Mulher com Theotokos Dormition ícone sagrado, daqui
A celebração dessa solenidade no dia 15 de
agosto foi fixada com um edito do imperador do Oriente, Maurício
(582-602), confirmando uma tradição, sem dúvida, mais antiga. No
Ocidente, a festa foi introduzida, juntamente com outras três festas
marianas, pelo papa Sérgio I, coincidindo as datas de sua celebração.
Quanto ao conteúdo, o tropário principal assim sintetiza o mistério:
Em tua maternidade conservaste a virgindade
e em tua dormição não abandonaste o mundo,
ó Mãe de Deus.
Foste levada para a vida sendo a Mãe da Vida,
e por tuas orações resgatas nossas almas da morte.Tropário (1º tom)
Logo é posto em evidência o ministério de
intercessão que a Mãe de Deus e nossa desempenha após sua entrada
(também corpórea) no céu. O kondákion do dia, a segunda oração mais
repetida, o confirma:
Nem o túmulo nem a morte
prevaleceram sobre a Mãe de Deus,
que, sem cessar, reza por nós
e permanece firme esperança de intercessão.
Com efeito, aquele que habitou um seio sempre virgem
assumiu para a vida aquela que é a Mãe da Vida.Kondakion (2º tom)
Embora os evangelhos não falem sobre o fim da
vida de Maria, existe uma antiga tradição patrística, com informações
provindas outrossim dos apócrifos, e que está na base do Ofício
litúrgico bizantino do dia 15 de agosto.
São Germano de Constantinopla, de cuja autoria é o hino das Vésperas que se segue:
Vinde de todos os confins do universo,
cantemos a bem-aventurada trasladação da Mãe de Deus!
Nas mãos do Filho ela depositou a sua alma sem pecado:
com a sua santa Dormição o mundo é vivificado;
e é com salmos, hinos e cânticos espirituais,
em companhia dos anjos e dos apóstolos,
que ele a celebra na alegria.Hino das Vésperas
Como nos demais textos litúrgicos bizantinos,
da maioria dos hinos, que se repetem há mais de mil anos, se desconhece
o nome do autor: Eis um exemplo tirado ainda do Ofício de Vésperas:
Oh, os teus mistérios, ó Pura!
Apareceste, ó Soberana, trono do Altíssimo
e nesse dia te transferiste da terra para o céu.
A tua glória brilha com o resplendor da graça.
Virgens, subi para o alto com a Mãe do Rei.
Ó cheia de graça, salve, o Senhor é contigo:
ele que doa ao mundo,
por teu intermédio, a grande misericórdia.
Entre os lugares santos venerados em
Jerusalém que se relacionam ao mistério final da vida da Mãe de Deus,
não existe somente a Basílica da Dormição cuidada pelos Beneditinos
católicos, mas há também o Túmulo da Virgem, que está aos cuidados dos
ortodoxos, próximo ao jardim do Getsêmani e onde recentes escavações
confirmam que a sepultura remonta, de fato, à época em que viveu Maria
Santíssima, e pode ter sido o lugar de seu breve sepultamento.
A tradição bizantina, claramente expressa na
oração, acredita na morte e no sepulcro da Virgem, mas também na sua
antecipada glorificação ao céu com o corpo e a alma, à semelhança e em
virtude de quanto aconteceu ao seu divino Filho. Assim começa o texto
próprio das Grandes vésperas do dia 15 de agosto:
Oh maravilha inaudita!
A fonte da vida é posta no túmulo
e o sepulcro transforma-se em escada que leva ao céu.
Alegra-te, ó Getsêmani,
santuário sagrado da Mãe de Deus!...
Festa da Dormição de Theotokos na igreja da Dormição de Theotokos Igonyi por bispo Athanasius de Kisumu (Quênia), daqui
A tradição narra que o apóstolo Tomé, tendo
chegado atrasado para o sepultamento da Virgem e querendo rever seu
amado semblante, fez reabrir o túmulo, mas este foi achado vazio e a
mesma Mãe de Deus anunciou, numa visão, que havia ressuscitado e subido
ao céu junto do seu Filho divino.
Se nos textos litúrgicos da festa encontramos
várias alusões à tristeza dos Apóstolos que não verão mais junto deles a
Mãe de Jesus, predomina, porém, a alegria pelo triunfo da Theotókos.
Diz um hino das Laudes:
A tua gloriosa Dormição
alegra os céus, faz exultar a multidão dos anjos:
a terra toda exulta de alegria
elevando a ti um canto de adeus,
ó Mãe do Senhor de todas as coisas,
Virgem santíssima desconhecedora de núpcias,
que libertaste o gênero humano da antiga condenação.
A festa da Dormição da Santíssima Mãe de Deus
- este nome, como também a representação iconográfica permaneceu comum
no Oriente e no Ocidente por mais de um milênio.
Com esta citação de um teólogo russo ortodoxo concluímos, retomando do Ofício das Vésperas bizantinas uma última invocação:
Oh imaculada Mãe de Deus,
sempre vivente com o Rei da vida e Filho teu,
reza sem cessar para que seja conservada
e salva de toda insídia do adversário
a multidão de teus filhos,
pois nós estamos debaixo da tua proteção
e te glorificamos por todos os séculos.
Crianças na Serra Leoa com ícones sagrados do Senhor e Theotokos (daqui)
Fonte: «O ANO LITÚRGICO BIZANTINO»,
Madre Maria Donadeo
Veja também
Mother of God (Virgin Mary), Orthodox Church and African peoples (& Why the Orthodox Honor Mary)
The Icon of the Theotokos
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