Alem Mar
Por: CARLOS REIS, Jornalista, 2012
Os
países africanos são considerados dos mais corruptos do mundo, um
factor que contribui para o empobrecimento do continente. Os esforços
anticorrupção têm mostrado resultados mistos nos últimos anos, mas são
essenciais para o desenvolvimento. Os governos precisam de combater a
corrupção em vez de depender da ajuda externa.
Dos
dez países considerados mais corruptos do mundo, seis estão na África
Subsariana. O suborno, extorsão, troca de favores, clientelismo,
apropriação e desvio de bens ou valores têm um custo anual de 150 mil
milhões de dólares para os Estados de África, segundo estimativas da
União Africana. Para comparar, os países desenvolvidos doaram 22,5 mil
milhões de dólares em ajuda à África Subsariana em 2008, segundo a OCDE,
o que leva a argumentos de que os governos africanos precisam de
combater a corrupção em vez de depender da ajuda externa.
«A
corrupção em África varia entre o alto nível político, numa escala de
milhões de dólares, e o baixo nível, com subornos a autoridades e
funcionários públicos. No primeiro caso, impõe um maior custo financeiro
directo ao país, no segundo caso tem um efeito corrosivo sobre as
instituições básicas e mina a confiança dos cidadãos no governo», refere
a jornalista Stephanie Hanson na publicação Council on Foreign Relations.
Mais
de metade dos cidadãos da África Oriental pagam subornos para ter
acesso a serviços públicos que deveriam estar livremente disponíveis,
relata a organização Transparency International, o que também aumenta os
custos de fazer negócios, uma vez que há uma correlação entre a
eficácia no combate à corrupção e o aumento de produtividade de um país.
«Atacar a corrupção é a melhor maneira de atacar a pobreza», sintetiza
Nuhu Ribadu, ex-presidente da EFCC, comissão anticorrupção nigeriana.
A
abundância de recursos naturais, uma longa história de governos
autocráticos, o não prestar de contas aos cidadãos e os conflitos e
crises no continente têm criado grandes desafios à boa governação e à
luta contra a corrupção em África, apesar dos progressos recentes em
termos de democracia e direitos humanos em vários países. «Os recursos
naturais são cada vez mais tentadores para algumas elites africanas e
empresas multinacionais. Também a assistência oficial ao desenvolvimento
fornecida por agências nacionais e internacionais não está livre de
abusos e corrupção. A prestação de serviços públicos é precária e os
funcionários são frequentemente tão mal pagos, que recorrem à corrupção
“insignificante” para sobreviver. Instituições que deveriam garantir o
equilíbrio de poder dentro do sistema são muitas vezes limitadas pela
falta de recursos e independência», resume a TI.
Negócios e política
Na
maioria dos países africanos, os governos não têm capacidade ou vontade
em lidar eficazmente com a corrupção. Além disso, o nível de
desenvolvimento e organização da sociedade civil também varia
consideravelmente, embora tenda a tornar-se mais activa e preocupada com
as questões de corrupção e boa governação. «A sociedade civil e os
meios de comunicação social livres podem levar a uma maior
responsabilidade dos governos e à adopção de reformas nas áreas da
governação e gestão dos recursos públicos, tornando-se os pilares da
integridade nacional dos países», preconiza a TI.
Um
exemplo dessas iniciativas é o da rede Corruption Hunter Network, que
combate a corrupção em todo o mundo através de reuniões de apoio aos
seus membros. Em África esta rede de promotores públicos deu ajuda
directa e protecção a activistas como o nigeriano Nuhu Ribadu e o
zambiano Maxwell Nkole na luta contra a corrupção nos seus países,
embora este apoio nem sempre seja eficaz.
A
corrupção endémica nos Estados africanos leva à revolta das populações.
Rebeliões no Delta do Níger, na Nigéria, foram provocadas por
reivindicações da comunidade local de 30 milhões de pessoas por não
beneficiarem com a extracção petrolífera nas suas terras, cuja receita é
desviada para funcionários governamentais.
A
corrupção também corrói o processo político, com muitos políticos a
interessarem-se por cargos e reeleição em função do acesso a dinheiros
públicos e imunidade. A compra de votos e a fraude eleitoral «são formas
mais fiáveis e fáceis de ganhar uma eleição do que tentar ganhar a
aprovação dos eleitores pela boa governação», comprova Paul Collier,
director do Centro de Estudos das Economias Africanas (CSAE).
Na
última década, países como a Libéria, Ruanda e Tanzânia fizeram
progressos na redução da corrupção e o Gana registou melhorias nas
normas de boa governação e na transparência em actos governativos. Apesar
de terem criado agências anticorrupção, a Nigéria, Quénia e África do
Sul registaram escassos avanços. A ECA, comissão económica das Nações
Unidas para a África, afirma que as comissões anticorrupção nacionais
têm sido «muito ineficientes e ineficazes», em grande parte por causa do
seu financiamento e supervisionamento pelo poder executivo. Sempre que
incomodam o poder instalado estas agências são eliminadas, como
aconteceu em 2009 com a Scorpions na África do Sul, ou os seus
responsáveis são depostos ou forçados a sair do país, como se registou
na Nigéria e Quénia.
Por
outro lado, chefes de Estado africanos apoiam o financiamento oculto de
líderes políticos de antigos países colonizadores. Robert Bourgi,
ex-consultor do Governo francês para assuntos africanos, acusa o
ex-chefe de Estado Jacques Chirac e o ex-primeiro-ministro Dominique de
Villepin de terem recebido ilegalmente dinheiro e obras de arte dos
presidentes do Senegal, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Congo e Gabão.
«Avalio em cerca de 20 milhões de dólares o valor total entregue», diz
Robert Bourgi. Países europeus ignoram as actividades ilícitas e abusos
de poder em África em troca de financiamentos partidários e acesso a
matérias-primas.
Custos silenciosos
As
estimativas dos custos da corrupção no continente africano não podem
ser muito rigorosas, uma vez que a avaliação não é composta apenas pela
soma de dinheiro perdido, mas também de desenvolvimento adiado e
crescimento das desigualdades, que são menos fáceis de quantificar. Os
150 mil milhões de dólares anuais que os relatórios da União Africana
estimam incluem custos directos e indirectos, o que representa 25 por
cento do produto interno bruto dos Estados de África e um aumento dos
custos dos bens transaccionáveis em 20 por cento.
Quanto à eficácia da ajuda externa, o estudo «The Cost of Corruption», publicado na revista Euromoney,
estima que 30 mil milhões de dólares acabaram em contas bancárias no
exterior. Pelo lado da arrecadação de receitas fiscais, o Banco Africano
de Desenvolvimento calcula que a corrupção leva a uma perda de
aproximadamente 50 por cento e estima que as famílias de baixo
rendimento gastam de 2 a
3 por cento dos seus rendimentos no pagamento de subornos, enquanto as
famílias de maiores rendimentos gastam em média 0,9 por cento. Estas
avaliações demonstram que a corrupção em África está disseminada e é
dispendiosa para os cidadãos de mais fracos recursos.
A corrupção
silenciosa pode ser tão prejudicial ao crescimento económico geral e ao
desenvolvimento de um país como a grande corrupção e os escândalos de
subornos que recebem maior atenção mediática. No relatório «Africa
Development Indicators 2010», o Banco Mundial define corrupção
silenciosa como «o não fornecimento pelos funcionários públicos de bens
ou serviços para que são pagos pelos governos». Esta corrupção passiva
acontece quando professores e profissionais de saúde que, segundo os
orçamentos do governo deviam trabalhar a tempo inteiro, são absentistas
porque os salários para lhes pagar foram desviados por funcionários
corruptos.
«A
corrupção silenciosa não faz os títulos dos jornais da mesma forma que
os escândalos de subornos, mas é igualmente corrosiva para as
sociedades», alerta Shanta Devarajan, economista principal para a Região
África do Banco Mundial. A corrupção silenciosa permitiu fracos
controlos aos produtores e grossistas de fertilizantes que tiveram como
resultado que 43 por cento dos adubos vendidos na África Ocidental não
tivessem nutrientes e que mais de metade dos medicamentos vendidos nas
farmácias na Nigéria fossem falsificados. A corrupção diminui o bem
público e cresce onde há poder autocrático e pobreza.
Percepção de corrupção
| ||
Lugar
|
País
|
Índice
|
1
|
Somália
|
1,1
|
2
|
Sudão
|
1,6
|
3
|
Chade
|
1,7
|
4
|
Burundi
|
1,8
|
5
|
Guiné Equatorial
|
1,9
|
6
|
Angola
|
1,9
|
7
|
Guiné
|
2,0
|
8
|
RD Congo
|
2,0
|
Fonte: TI – Corruption Perceptions Index 2010
|
Fluxos financeiros ilícitos
| ||
Lugar
|
País
|
Valor
|
1
|
Angola
|
34,0
|
2
|
Lesoto
|
16,8
|
3
|
Chade
|
15,4
|
4
|
Uganda
|
8,7
|
5
|
Etiópia
|
8,3
|
6
|
Zâmbia
|
6,8
|
7
|
Sudão
|
6,7
|
8
|
Guiné Equatorial
|
6,5
|
Fonte: GFI – Illicit Financial Flows 1990-2008
| ||
Valor: Mil milhões de dólares
|
Erradicação de uma vez por todas
Bento
XVI apela para que as autoridades políticas africanas tudo façam para
que seja «erradicada de uma vez por todas a corrupção». Em 2009, falando
em Luanda perante o presidente Eduardo dos Santos, o papa pediu que
África se liberte do «flagelo da avidez, da violência e da desordem».
Respeito pelos direitos humanos, governação transparente, magistratura
independente, comunicação social livre e funcionalismo público eficaz
foram factores referidos por Bento XVI, para quem combater a pobreza é
«um imenso empreendimento que requer o maior civismo por parte de
todos». Angola lidera o índice IFF de fluxos financeiros ilícitos em
África, promovido pelo programa Global Financial Integrity.
A
Associação das Conferências Episcopais da África Central (ACERAC) vem
denunciando a corrupção como uma das causas da pobreza no continente. Os
bispos revelam o aumento da corrupção na exploração de fontes
energéticas como o petróleo, que «exigem a necessidade de maior
transparência nas actividades económicas». Se as riquezas procedentes do
solo e do subsolo contrastam com a miséria da população, «isso acontece
por causa da corrupção, que obstrui o funcionamento da administração e
da economia, dos investimentos, do sistema educativo e de saúde»,
alertam.
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